Por que uma mesma doença varia tanto para cada paciente? Entenda os fatores prognósticos
Um caso de neuroblastoma pode ser classificado de acordo com a gravidade da doença a partir de diferentes sistemas de estadiamento, que consideram diversos fatores. O estadiamento descreve aspectos do câncer, como sua localização, se há disseminação tumoral e se o tumor está afetando as funções de outros órgãos do corpo. É a partir dele que a definição do tipo de tratamento e o prognóstico do paciente podem ser feitos com maior precisão. O estadiamento é baseado em resultados de exames físicos, exames de imagem e biópsia tumoral e de outros tecidos. Vários outros fatores, como a idade do paciente e determinados exames de sangue, também influenciam no prognóstico.
Existem diversos sistemas para estadiamento de neuroblastoma, um dos mais difundidos é o Sistema Internacional de Estadiamento de Neuroblastoma (da sigla em inglês INSS). Esse sistema se baseia em fatores como localização tumoral, invasividade, envolvimento nodal, presença de metástase e o resultado da cirurgia de remoção tumoral. Nesse sistema, os casos são classificados dentro de 6 estádios.
Embora muitos países tenham adotado o INSS, algumas dificuldades são observadas. Pacientes com doença localizada e regressão precoce, ou com envolvimento nodal difícil de se definir podem não ser devidamente estratificados. Mas a principal limitação é o fato de que a classificação dos casos é feita somente após o início do tratamento cirúrgico.
Essas limitações acabam gerando uma grande variedade de classificações de risco. Devido a isso, em 2009, um grupo composto por cientistas de diversos países propôs uma nova classificação, o Sistema internacional de estágio em grupo de risco para neuroblastoma (INRGSS) que se baseia em métodos de imagem para definição do estadiamento, podendo-se classificar os casos antes do início do seu tratamento, sem precisar da cirurgia. Essa foi uma forma de refinar a escolha do tratamento, além de facilitar a classificação dos pacientes em estudos populacionais.
No INRGSS, a classificação é feita em 4 estadios. A extensão da doença é determinada pela ausência ou presença de fatores de risco definidos por imagem (IDRFs). Esses fatores estão atrelados ao envolvimento da doença em estruturas vitais do paciente, como o acometimento próximo de artérias importantes e compressão de órgãos.
Existem, ainda, outros modelos de classificação para o neuroblastoma, como Sistema Internacional de classificação de neuroblastoma em grupo de risco. Esse sistema agrega a classificação do INRGSS com fatores prognósticos como a idade do paciente, categoria histológica e grau de diferenciação tumoral, amplificação do gene MYCN, deleção no braço longo do cromossomo 11 e ploidia do DNA, classificando o risco da doença em muito baixo, baixo, intermediário ou alto.
Os fatores prognósticos são características que ajudam a prever o prognóstico do paciente, a dar uma perspectiva de cura de uma forma mais detalhada do que considerando apenas o estadiamento. Alguns desses marcadores também são utilizados na definição do estadio dentro de alguns sistemas, como os citados anteriormente, mas ainda existem outros que são usados junto do estadio para determinar o grupo de risco em que o paciente se enquadra.
Idade no diagnóstico
Um dos primeiros fatores que foram definidos, e que aparece em praticamente todos os sistemas utilizados, é a idade do paciente quando diagnosticado com neuroblastoma. Pacientes com idade abaixo de 18 meses costumam ter um prognóstico mais favorável que pacientes mais velhos, mas alguns sistemas, consideram pacientes de até 12 meses de idade com uma tendência maior de bom prognóstico.
Grau histológico/INPC
O grau de diferenciação dos neuroblastos e o rearranjo de algumas estruturas determinam um espectro de três padrões histológicos. Sendo eles:
Neuroblastoma: formado em maioria por células indiferenciadas;
Ganglioneuroblastoma: com células ganglionares diferenciadas, mas que ainda apresenta neuroblastos;
Ganglioneuroma: composto por células diferenciadas envoltas por fibras nervosas.
A classificação histológica, desenvolvida por Shimada, classifica os tumores a partir do grau de diferenciação dos neuroblastos, da quantidade estroma presente na amostra, e o índice mitose-cariorrexis (MKI). Anos depois, Shimada refinou seu sistema, adicionando uma estratificação baseada na idade dos pacientes criando a Classificação Patológica Internacional de Neuroblastoma (INPC).
Amplificação do MYCN
Um dos fatores genéticos mais estudados é o oncogene MYCN. A amplificação desse gene está relacionada a estadios avançados e tem sido apontada como um prognóstico ruim. Geralmente, o MYCN é dado como amplificado quando há no tumor 4x o número normal de cópias. O gene amplificado é encontrado em cerca de 20% dos pacientes nos estadios 3 e 4 (INSS), enquanto aparece em apenas 5% dos pacientes nos estadios 1, 2 e 4S. Apesar de confiável, o MYCN não aparece amplificado em todos os casos que levam a um desfecho fatal. Por isso, também é importante buscar por outros genes que possam servir como marcadores de prognóstico.
Ploidia e alterações cromossômicas
Outros fatores importantes para o prognóstico são as alterações cromossômicas e a ploidia dos neuroblastos. Amostras tumorais que apresentam grande número de células diploides geralmente estão associadas à rearranjos cromossomais e translocações desbalanceadas, principalmente dos cromossomos 1p, 11q e 17q, determinando um padrão invasivo, de histologia desfavorável e, consequentemente, pior prognóstico.
A deleção do braço curto do cromossomo 1 é uma das aberrações cromossômicas mais observadas em NB, principalmente em pacientes com pior prognóstico e pior resposta ao tratamento. Alterações no cromossomo 11 estão relacionadas à deleção de genes supressores encontrados no braço longo e a tumores de pior prognóstico. Sua ocorrência geralmente é inversamente proporcional à amplificação do gene MYCN, sendo um indicador de alto risco em casos sem alterações no MYCN.
Outras anormalidades cromossômicas são estudadas atualmente, como o ganho do cromossomo 17q, presente em amostras metastáticas e de prognóstico desfavorável.
Estudos de novos marcadores prognósticos
Apesar da evolução na estratificação e tratamento de neuroblastoma, a expectativa de sobrevida dos pacientes de alto risco, continua baixa. Sobrepondo obstáculos da prática clínica e, para refinar o prognóstico e melhor direcionar o tratamento do neuroblastoma são estudados novos possíveis marcadores.
Alguns dos marcadores estudados são a lactato desidrogenase (LDH) e ferritina, que já foram consideradas pelo INRG na definição de sistemas de estadiamento, mas não foram adicionadas nas versões finais dos sistemas pois não acrescentaram informações clinicamente relevantes à coorte testada. Entretanto, novos estudos têm apontado que a dosagem das substâncias pode ser relevante para a identificação de casos de risco extremo, dentre os pacientes nos grupos de alto risco.
Novos marcadores genéticos têm sido estudados como os genes ALK, ATRX e BIRC5. Este último está localizado no cromossomo 17, mencionado anteriormente, e é um dos alvos de estudos do Toxican.
O gene BIRC5 codifica a proteína survivina, que pertence à família das proteínas inibidoras da apoptose (do inglês Inhibitors of Apoptosis Proteins - IAP), sendo estrutural e funcionalmente única nesta família. Altos níveis de expressão de survivina se correlacionam com doenças mais agressivas e resultados clínicos ruins. Já em tecidos diferenciados, sua expressão é mínima. Além de desempenhar um papel na mitose, a survivina é uma molécula altamente tumor-específica e atua como fator de resistência em terapias antitumorais, enquanto participa da angiogênese e inibição da morte celular. Assim, a proteína tornou-se um dos principais alvos para o diagnóstico de tumores, prognóstico e para as terapias anticancerígenas.
Há outros genes apontados e associados ao neuroblastoma, em estudos globais por análises de diferentes alterações genéticas via Biologia de Sistemas e Machine Learning, por exemplo. Essas novas ferramentas permitem uma análise sistemática de grandes populações e podem impulsionar ainda mais os estudos para identificação de novos marcadores prognósticos e genes candidatos à alvos terapêuticos.
Autor: Mateus Eduardo de Oliveira Thomazini
Edição: Selene Elifio Esposito e Daniel J. Scheliga
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