Os alvos de cada grupo de pesquisa na área das Ciências da Saúde variam muito, mas o objetivo em geral é o mesmo: encontrar um alvo que funcione como indicador de um estado particular em um organismo, na saúde ou na doença. Pode ser uma molécula, por exemplo, que auxilie no diagnóstico do paciente e, principalmente, na escolha do melhor tratamento. Melhor ainda se puder ser detectada de maneira prática, rápida e de preferência com baixo custo.
Esse é o significado do termo biomarcador, ou seja, todo indicador testado com o intuito de mudar ou melhorar o curso clínico de um paciente. E se o resultado for positivo, se de fato esse indicador possuir propriedades importantes, ele se torna um biomarcador para a doença, ou estado fisiológico estudado! A medicina está sempre a procura de biomarcadores! De acordo com a Organização Mundial da Saúde, um biomarcador pode ser de natureza química, física ou biológica – e sua medição pode ser funcional, fisiológica, bioquímica, celular ou molecular. Aqui vão alguns exemplos de biomarcadores amplamente utilizados na medicina atual:
a temperatura do corpo acima de 37ºC para febre;
a pressão arterial alta para o risco de acidente vascular cerebral;
os valores de colesterol no sangue indicando o risco para uma doença coronária e vascular;
a glicemia elevada indicando risco de diabetes;
a proteína c-reativa (PCR) como um incador de inflamação.
Agora sim! Vamos falar do nosso alvo do momento: a survivina!
A survivina é uma proteína que apresenta papel importante em inúmeros processos essenciais dentro de uma célula como na morte celular, proliferação celular, ciclo celular, movimento cromossômico, na mitose e na regulação da resposta celular ao estresse. Todas essas funções são tão importantes que mereceriam mais que um post para cada. O foco hoje vai para a survivina como um biomarcador do câncer.
O que faz dela uma boa candidata além de participar de todas essas funções citadas acima?
Primeiro ponto:
A survivina é uma proteína superexpressa em tecidos malignos, muito diferente dos tecidos benignos e normais, onde ela não está presente. As exceções ficam para as células da placenta, do timo, epitélio basal do cólo do útero, células endoteliais e algumas células-tronco (células CD34+). A superexpressão desta proteína já foi demonstrada em diferentes tipos de câncer como osteossarcoma, carcinoma oral de células escamosas, mama, tireóide, pulmão, próstata, cólo de útero, estômago, fígado, carcinomas esofágicos, e linfomas. Este aumento significativo da expressão de survivina em células malignas, sugere um papel patológico para a proteína.
Estudos atuais buscam entender qual é a relação entre a regulação positiva da survivina, graus de malignidade mais elevados e taxas de sobrevivência reduzidas. Os resultados variam para cada patologia tanto em intensidade quanto na localização da proteína.
Temos aqui mais uma variação que deixa as buscas mais complexas: a survivina pode ser encontrada apenas no núcleo, ou apenas no citoplasma, no meio extracelular ou até mesmo na superfície celular, ou um pouco em cada lugar!
O que acontece para variar assim? O local onde ela se encontra tem relação direta com o desfecho do paciente?
Perguntas assim que nos fazem seguir motivados e pesquisando para entender um pouco sobre cada molécula. O que sabemos hoje é que a survivina apresenta dez isoformas, sete delas já com as funções conhecidas. Também já entendemos que estas isoformas estão em lugares diferentes atuando em processos celulares distintos, juntas ou separadas, mas sempre em associação com outras proteínas celulares.
Segundo ponto:
Já foi revelado que a survivina também interfere na resistência a agentes quimioterápicos durante o tratamento, diminuindo a eficácia ou até impedindo-o, incluindo quimioterápicos como vincristina, cisplatina, adriamicina, bortezomibe, tamoxifeno, paclitaxel, TNF- α e TRAIL em diferentes linhagens de células tumorais . Estudos onde a modulação genética ou farmacológica da expressão da survivina afeta a eficácia das drogas, definindo um certo limite para a morte celular induzida pelos agentes quimioterápicos.
Terceiro ponto:
Também há evidências de que a survivina suprime a apoptose induzida por radiação. Em experimentos usando três linhagens celulares de câncer colorretal de radiossensibilidade intrínseca diferentes, a expressão de survivina e apoptose induzida por radiação mostraram uma relação inversa. Os mesmos resultados foram relatados em linhagens de células pancreáticas, glioblastoma e melanoma. Assim como estudos relatam maior expressão da survivina em linhagens celulares resistentes à radiação , como células de glioblastoma multiforme, ou melhora da resposta à radiação terapêutica em camundongos com câncer de pulmão quando a expressão da proteína é inibida.
Com isso em mente, você talvez esteja se perguntando: “Mas como essa proteína é identificada e “dosada” no paciente, em estudos in vivo e/ou em linhagens celulares?”
Existem diversas técnicas para isso, mas as principais são através da:
Biópsia: utiliza comumente a imuno-histoquímica como técnica. Dosa a survivina presente no tecido que apresenta a lesão no exato tempo em que a biópsia foi realizada;
Imunofluorescência: Identificação da proteína em células de linhagem celular ou biópsia do tecido (pouco utilizado) utilizando anticorpos marcados por um composto fluorescente.
Biópsia líquida (através do exame de sangue): Dosa a survivina presente em vesículas extracelulares em diversos momentos do curso clínico;
qPCR : Dosa a quantidade da expressão gênica da proteína;
Western blot: Dosa a expressão da proteína isolada em determinada quantidade de células (mais comumente utilizada para linhagens celulares).
Apesar de ter sido descoberta em 1997, há muito o que descobrir e compreender sobre a survivina. Todo o conhecimento acumulado ao longo destes anos é precioso e utilizado até hoje. Nosso trabalho é unir toda informação válida, aplicar em nosso campo de estudo, o neuroblastoma, criar perguntas e de maneira séria e metodicamente tentar respondê-las. E então novas dúvidas surgirão e continuaremos contribuindo para a geração de conhecimento, e compartilhando-o.
Autor: Fernanda de Almeida Brehm Pinhatti
Edição: Daniel J. Scheliga e Selene Elifio Esposito
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