Estou um pouco atrasada para a saudações de ano novo? Talvez, mas nunca é tarde para desejar sempre muita saúde, paz, amor e bons propósitos. Tudo isso com um recheio de curiosidade e entusiasmo para o conhecimento!
É tempo de refletir sobre os feitos do último ano, enquanto nos organizamos para tocar os projetos em andamento e iniciar aqueles novos que já estão no radar. Ao mesmo tempo, ansiar por desafios e descobertas que nos aguardam nos próximos 335 dias (já se passaram 30 dias em 2024, certo?).
Refletindo sobre o ano de 2023, reafirmamos nosso compromisso com o propósito que nos define: Estudar Toxinas Animais e Câncer e assim, compartilho os principais marcos e descobertas que moldaram nosso percurso.
Estudos com Foco na Qualidade de Vida em Pacientes com Câncer de Mama
O ano começou com dois estudos inovadores. O primeiro teve como objetivo avaliar a eficácia de um programa personalizado de exercícios remotos na melhoria da composição corporal e aptidão física de mulheres que concluíram o tratamento do câncer de mama. Este programa mostrou-se eficiente em melhorar a composição corporal e a aptidão física, independentemente das características clínicas de cada paciente, contribuindo para sua recuperação e na saúde geral.
No segundo estudo, buscamos desenvolver um protocolo abreviado de ressonância magnética nuclear para avaliar a resposta à quimioterapia neoadjuvante em pacientes com câncer de mama invasivo. A proposta desse protocolo foi oferecer uma alternativa ao protocolo completo que pode durar até 40 minutos. Os resultados revelaram que o protocolo abreviado pode apresentar um desempenho diagnóstico igual ao protocolo completo, mas reduzindo o tempo de exame em aproximadamente 75%. Essa otimização não apenas melhora o conforto físico e emocional da paciente, mas também sugere a possibilidade de redução nos custos, sem comprometer a qualidade do diagnóstico.
A quimioterapia neoadjuvante é um tipo de tratamento contra o câncer que é administrado antes da cirurgia ou de outros tratamentos principais. O objetivo é encolher o tumor ou reduzir sua agressividade, tornando o tratamento principal mais eficaz. Em termos simples, é uma estratégia para preparar o caminho, diminuindo o tamanho ou a atividade do câncer antes de procedimentos mais invasivos.
Encerrando o ano, concluímos um projeto em que investigamos a correlação entre câncer de mama, níveis de vitamina D e outros fatores de risco. Os resultados sugerem que estratégias simples de suplementação alimentar podem influenciar significativamente a incidência e prognóstico da doença, destacando os benefícios da vitamina D na redução do risco de câncer de mama. Vale destacar que esta relação ainda é complexa e muito ainda precisa ser estudado para que nossos achados sejam confirmados.
Pesquisa sobre Neuroblastoma e a Proteína Survivina
Nossa pesquisa nos mecanismos e na biologia do câncer proporcionou uma compreensão mais aprofundada sobre a proteína survivina, identificada como uma peça-chave no neuroblastoma (Para saber mais sobre essa doença e a proteína, leia: Neuroblastoma: O câncer que se origina antes do nascimento e O alvo do momento: uma proteína chamada SURVIVINA).
O objetivo central de nosso estudo foi investigar o valor prognóstico da expressão imunoistoquímica da survivina, isoladamente ou em associação com fatores clínicos e biológicos, no curso clínico do neuroblastoma. Observamos expressão da survivina tanto em tumores benignos quanto malignos, sendo mais pronunciada nos malignos, como já destacado em estudos anteriores. No entanto, encontramos que nos tumores mais agressivos, a expressão mais alta dessa proteína parece assumir um caráter de proteção. De forma surpreendente, a alta expressão de survivina associou-se à ausência de infiltração medular durante o curso clínico do paciente. Como explicar esse achado? Projeto que segue... Pesquisa básica é assim, fazemos uma pergunta e encontramos outras tantas como resposta.
A infiltração da medula óssea no neuroblastoma impacta significativamente o prognóstico e a abordagem terapêutica. Sua presença indica uma forma mais avançada da doença, associada a maior risco de recidiva. A identificação precoce é crucial para direcionar o tratamento, permitindo estratégias personalizadas. A avaliação da extensão dessa infiltração desempenha papel crucial na classificação do neuroblastoma, influenciando decisões clínicas para otimizar os resultados.
Em uma tentativa de replicar esses achados em experimentação no laboratório, buscamos um modelo celular apropriado para estudar a atividade da survivina na resistência à morte celular em células de neuroblastoma humano. Esse estudo foi feito com células imortalizadas derivadas de diferentes pacientes. Vimos que todas as linhagens celulares testadas apresentaram alta expressão de BIRC5, nome do gene que codifica a proteína survivina, mas com diferentes respostas ao inibidor YM155. Este composto é estudado como potencial alvo terapêutico em alguns tumores em pacientes adultos, mas pouco explorado em tumores pediátricos. As diferentes respostas das células na presença da proteína, reforçam a natureza heterogênea desse tipo tumoral, nos impulsionando com novas perguntas, na busca por conhecimento.
Estudo da Glândula Salivar do Carrapato
Ilustração: Ronaldo Figueira de Oliveira
Venenos e toxinas animais contêm moléculas bioativas que afetam alvos específicos em células e tecidos. As toxinas de carrapatos já demonstraram atividade antitumoral, induzindo a morte celular e inibindo a formação de vasos sanguíneos, como já destacamos em publicação anterior (Tudo é uma questão de ponto de vista, veneno para uns, remédio para outros).
Em 2023 iniciamos o estudo de prospecção da atividade antitumoral do extrato da glândula salivar do carrapato Ornithodoros brasiliensis em células de neuroblastoma. Em ensaios in vitro o extrato reduziu a viabilidade celular em 50% e promoveu a morte celular em 10% das células, sem afetar significativamente a função mitocondrial, o que seria indicativo de apoptose. Também reduziu a área coberta por células em 37% e a formação de colônias em 30%. Testamos também se o extrato poderia afetar o potencial de diferenciação celular, um dos marcos desse tipo de câncer, mas nossos resultados também foram modestos nesse item. Em 2024 certamente seguiremos investigando os mecanismos associados a tais efeitos.
Levantamento de Acidentes Ofídicos no Paraná
Saindo mais uma vez de atividades puramente de bancada, fizemos um levantamento dos casos de acidentes ofídicos no Estado do Paraná, com o objetivo de descrever o número de acidentes entre 2010 a 2021, incluindo os casos que envolveram animais não peçonhentos. Também tínhamos o interesse de identificar os fatores associados aos resultados clínicos.
Analisamos dos dados de quase 10 mil casos. A maioria dos acidentes (69,19%) foi causada por serpentes do gênero Bothrops. Vimos que de 2017 a 2021, a incidência de acidentes com serpentes venenosas diminuiu em 7,74%, entretanto com as não venenosas, o número de casos aumentou em 6%.
A morte pelos acidentes, assim como a ocorrência de complicações locais e sistêmicas foi maior em homens com mais de 65 anos, com analfabetos, e quando o atendimentos médico ocorreu num tempo maior do que 6 h após a picada. Surpreendentemente foi verificado um caso de insuficiência renal aguda em um paciente atacado por Pseudablabes patagoniensis, uma espécie não peçonhenta. Este estudo enfatiza o reconhecimento do acidente ofídico como uma preocupação de saúde pública, devido ao seu potencial de causar complicações clínicas significativas.
Alguns alunos se despediram do nosso grupo de pesquisa em 2023, seguindo novos rumos na sua formação e carreira profissional. A todos, meu enorme agradecimento pela contribuição e amizade. Tenho certeza de que viveram momentos agradáveis de companheirismo e aprendizado, e uns tantos de frustração, afinal, fazer ciência tem disso mesmo.
Em 2024, vamos continuar nossa jornada, abraçando desafios e celebrando descobertas. Que este ano novo seja repleto de curiosidade, aprendizado e colaboração, pois é através da ciência que construímos o caminho para um futuro mais esclarecido e promissor.
Ficou curioso sobre alguns desses trabalhos? Temos uma lista de artigos científicos selecionados que descrevem em detalhes nossos achados. Veja na aba Publicações.
E mais do que isso, fique a vontade para nos escrever para mais informações e comentários.
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Autora: Selene Elifio Esposito
Edição: Fernanda de Almeida Brehm
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