Um livro que incita a reflexão sobre os aspectos éticos e bioéticos sobre a pesquisa científica com seres humanos, sendo de extrema importância a responsabilidade do profissional para com os participantes da pesquisa e o desenvolvimento dos estudos.
"O livro conta a história de uma mulher afro-americana e sua família, enquanto narra a busca da autora, Rebecca Skloot, pelas informações de Henrietta. Durante a narrativa, diversos assuntos são abordados, como a bioética, sua importância e consequências da sua não aplicação, racismo, a realidade da medicina em relação ao câncer nos anos 20 e a evolução da medicina após o estabelecimento das primeiras células imortalizadas, as HeLa".
Henrietta nasceu em 1920 e aos 30 anos foi diagnosticada com câncer no colo do útero, após ela mesma ter identificado um “caroço” dentro de si. Esse diagnóstico demorou para acontecer, visto que os médicos nem ao menos a examinavam adequadamente. Ela foi atendida no Hospital John Hopkins, em Baltimore, EUA que, segundo a autora, tinha alas diferentes para brancos e negros e o tratamento era diferenciado de modo que “pessoas negras não deviam questionar o julgamento profissional de pessoas brancas”. Muitas vezes os médicos ocultavam informações sobre o quadro do paciente por acreditarem que detalhes ou termos médicos aborrecessem e confundissem os pacientes, constituindo uma “mentira benevolente”, muitas vezes nem dando um diagnóstico.
Após diversas idas ao hospital, finalmente viram que Henrietta realmente tinha uma massa tumoral que, devido à demora do exame de fato, já era proeminente e os sintomas só se agravavam. Em pouco tempo, Henrietta já não conseguia andar direito devido às dores intensas e sentia dificuldade para urinar. O tratamento realizado era com rádio, sendo costurado um tubo com rádio no interior do colo do útero, a vagina era preenchida com gaze para auxiliar a fixação do tubo e um cateter era acoplado a bexiga para que pudesse urinar. Além disso, foram realizados tratamentos com raios-X. O método como um todo era extremamente agressivo, sendo descrito que sua pele ficou “queimada”, “totalmente preta” desde os seios até a bacia. O câncer não respondeu bem ao tratamento e se espalhou pelo corpo de Henrietta que, em poucos meses, veio a falecer.
Durante o tratamento, o médico responsável realizou a coleta de células cancerosas sem a permissão da paciente ou da família e tentou replicá-las em laboratório. Naquela época, já haviam sido feitas várias tentativas de se imortalizar células em laboratório, mas sem sucesso. Entretanto, as células de Henrietta continuaram a se replicar, sendo então estabelecida a primeira linhagem de células tumorais imortalizadas, que foram batizadas de células HeLa. A partir de então, as células se espalharam por diversos laboratórios, sendo empregadas como modelo de estudo do câncer em projetos científicos no mundo todo. Tudo isso, sem o conhecimento da família Lacks.
Após anos dessas práticas, inúmeras pesquisas, conquistas da ciência e carreiras estabelecidas, começou-se a surgir questionamentos sobre a ética do trabalho com essas células, principalmente pela situação precária em que a família Lacks se encontrava enquanto as células de Henrietta eram vendidas e davam lucros para outras pessoas.
Durante a procura pelos parentes de Henrietta, Rebecca Skloot relata a dificuldade que a família e conhecidos possuíam sobre a abordagem, uma vez que a desconfiança sobre os brancos era muito forte. Além de não serem comunicados sobre a utilização das células de Henrietta, também não havia respeito sobre a palavra da família. Sendo dito que, quando ligaram do hospital pedindo permissão ao marido Day para a realização de uma autópsia e o pedido lhes foi negado, fizeram da mesma maneira.
Ao longo do livro, a autora traz alguns dos questionamentos e problemas bioéticos gerados, como a fala do pesquisador Robert Stevenson que diz que a ciência não gosta de pensar nas células HeLa como parte de Henrietta e dissociam as células da pessoa, tornando a ética menos problemática. Entretanto, a partir do momento em que a família tomou conhecimento sobre elas, adquiriram uma crença religiosa de uma possível imortalidade de Henrietta, o que os deixou apavorados.
Desde os anos 1920 até hoje em dia, muita coisa mudou. Atualmente existe a necessidade de, quando um estudo envolvendo seres humanos ou tecidos derivados destes forem realizados, o projeto do estudo passar por um comitê de ética para a realização de uma análise em cima do projeto submetido, avaliando se este está dentro dos padrões éticos e bioéticos impostos nacionalmente.
No Brasil, todo estudo envolvendo seres humanos deve ser submetido no portal da Plataforma Brasil para então ser enviado para análise pelo Comitê de Ética da instituição proponente. Após a aprovação do projeto, ainda é necessário que seja solicitado à instituição concedente o acesso aos dados, no caso, dos pacientes. Com o acesso liberado, é possível realizar a coleta de dados dos prontuários dos pacientes.
Autor: Letícia Corrêa Marconde
Edição: Selene Elifio Esposito e Daniel J. Scheliga
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